Espiritismo: Caridade X
Pirataria
Claudiomiro Machado
Ferreira*
N
|
a
época e com a formação educacional e religiosa que teve, não deve ter sido
fácil para o futuro Allan Kardec quando se deparou com as mesas girantes e a
doutrina dos Espíritos. Assim como também não deve ter sido fácil receber a
tarefa de compilar e codificar todos os ensinamentos que recebeu. Por mais
qualificada que fosse uma pessoa, lançar ao mundo uma doutrina que muda toda a
forma de uma pessoa se relacionar consigo mesma, com a sociedade e com o pós-morte,
com certeza daria a ela muito trabalho.
Mas, certamente, foi mais fácil, graças aos
métodos e processos editoriais da época, difundir a Doutrina Espírita do que
foi apresentar ao mundo o Cristianismo, que muito deve aos monges copistas da
Idade Média e a sua paciência. Porém, um problema com o qual Allan Kardec não deve
ter se deparado, pelo menos não nas proporções atuais, foi com a pirataria física,
e, muito menos, digital, das obras que apresentou ao mundo. Realidade bem
diferente da que, em função dos avanços tecnológicos e mudanças culturais,
vivem hoje as editoras, as casas espíritas e os autores.
Das mudanças culturais, as mais perigosas para
a produção literária espírita são que tudo pode ser copiado e que ao autor não
pertence mais sua obra. Porém, é necessário que o leitor fique atento. Pois,
por mais que se fale em direito à cultura e ao conhecimento ou ao direito de
cópia, os fundamentais direitos autorais e patrimoniais não podem ser violados.
No Brasil, que teve seu sistema de direito
autoral baseado no sistema francês, uma obra só cai em domínio público depois
de 70 (setenta) anos da morte do autor. Além disso, cópias só podem ser feitas
de pequenos trechos do livro, para uso privado, sempre pelo copista e sem
intuito de lucro. Qualquer outro tipo de cópia ou veiculação só pode se feita
sob anuência do detentor dos direitos patrimoniais. A exceção fica por conta da
citação direta, em estudos ou análises e sempre deve ser dado todo o crédito ao
autor e à edição.
O avanço tecnológico que permite
cópias físicas ou digitais é tentador, mas viola direitos básicos e enquadra a
pessoa que faz, segundo conceitos internacionais, em crime de pirataria. Para
barrar essa crescente prática, que traz prejuízo a vários outros setores, órgãos
nacionais e internacionais reforçam periodicamente ações de conscientização.
Outros países, como os Estados Unidos, têm aumentado a vigilância e ação contra
sites que disponibilizam obras e até
mesmo contra links, que apenas
apontam onde estaria o material.
Nenhum espírita verdadeiro pode
realizar a prática de pirataria, muito menos a pretexto de fazer a caridade. Para
isso há várias outras formas lícitas e que ajudam realmente toda a cadeia
produtiva literária espírita. Nós mesmos, em uma campanha de arrecadação de
livros espíritas em nossa cidade natal, Pedro Osório, conseguimos
disponibilizar, com ajuda de amigos, uma estante inteira na Biblioteca
Municipal, ficando assim toda a sociedade servida de farta literatura da área. Ajuda
maior faria quem adquirisse de editoras livros que fossem repassados para quem
deles necessita. Assim, federações e casas espíritas, que se beneficiam dessa
movimentação, poderiam dar continuidade às suas obras e atividades. Outra
atividade que seria de grande valia ao Movimento Espírita é a tradução de livros
que ainda não se encontram disponíveis em língua portuguesa. Então, de posse
desse direito patrimonial seu detentor poderia disponibilizar irrestritamente seu
trabalho se quisesse ou, com certeza, ajudaria muito mais cedendo o direito da
obra para algum Centro Espírita, a exemplo do que fez Chico Xavier com todas as
obras que psicografou.
Mesmo que a frase “a maior caridade
que podemos fazer pela Doutrina Espírita é a sua própria divulgação” não esteja
expressa literalmente em nenhum livro, é uma diretriz perfeitamente válida e
deve ser seguida, mas nunca contra a lei ou à custa de direitos legítimos e
sempre a serviço da verdadeira caridade.
. . .
*
Publicou a tradução “História da Liberdade de Pensamento” pela Editora da
UFPel/RS, escreveu o livro “Figuras & Vícios de Linguagem”, o texto “As
Bibliotecas Públicas Municipais e a Administração Pública Direta” e traduziu o
texto “Para Falar e Escrever Bem”. Ministra palestras, presta
consultoria e assessoria na área de Direitos Autorais e Registro de Obras.
Produz livros para terceiros e edita o blog “Direitos
Autorais e Registro de Obras”.
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