“Quem poupa o lobo Sacrifica o Cordeiro”
Victor Hugo
Nota de Falecimento
Morreu um Servidor Público
Morreu ontem um servidor público que foi atacado covardemente pelo grupo conhecido como a Gangue do Assédio Moral. Segundo os médicos o Agente não resistiu aos graves ferimentos que sofreu. Sua cabeça e alma foram dilaceradas e o corpo apresentava escoriações decorrentes da somatização. Os médicos ainda tentaram reanimá-lo, porém aparentemente ele já havia se entregue às mãos da morte. Parecia que até mesmo a face do desconhecido era mais branda do que a daqueles que o atacaram.
O corpo dera entrada no hospital na parte da noite e a equipe teve dificuldades de reconhecê-lo devido ao processo de apagamento que sofreu. Ainda com pulso, chegara ao hospital, mas as luzes fortes do lugar e frieza metálica da noite parecem ter sido seu tiro de misericórdia.
A Administração Pública foi procurada, mas teve dificuldades em reconhecer a situação. A burocracia sempre fora uma inimiga da vida. Para o burocrata uma vida é um número uma morte um dado estatístico. O descaso que os burocratas têm com as coisas mais sutis da vida é demonstrado com a atenção bruta e impessoal que eles têm com a morte.
A indefinição sobre quem falaria sobre o caso dificultava nossa investigação. Foi preciso muita insistência para sermos recebidos. Um Agente Político que nos atendeu em uma saleta escura e acarpetada que cheirava a desalento. Lamentou a situação e disse ser uma pena ter perdido um servidor tão prestimoso. Mas ao ser questionado porque a situação chegou a esse ponto titubeou e demonstrou claros indícios de nervosismo. Aparentemente confuso e sem conseguir se explicar encaminhou-nos para o Chefe do Executivo. Ao chegarmos lá membros do Gabinete informaram que ele havia viajado e que não poderia nos receber. Contudo afirmaram que estudariam o caso abrindo uma Sindicância.
Colegas do servidor morto disseram que não estavam autorizados a falar sobre o caso. Todos foram unânimes ao dizer que não sabiam de nada e que nada tinham visto. Alguns disseram que estavam em reunião de Comissão, outros, que estavam em outra Secretaria. Outros ainda disseram que estavam em férias ou de licença. Ao serem questionados se haviam feito algo para ajudar, desconversaram ou disseram que não tinham nada a ver com o caso. Nem mesmo os cães viram as costas aos que em necessidade se mostram perdidos. Quem dera os burocratas fossem como cães.
Posteriormente uma colega de trabalho da vítima nos procurou. Disse que falaria, mas pediu sigilo e que seu nome não fosse revelado. Ela também não quis gravar entrevista, pois tem muito medo de ser reconhecida. Sua justificativa foi que poderia sofrer retaliações e perseguições por parte de algum dos membros da Gangue do Assédio. Segundo a testemunha a Gangue age abertamente, sempre andando em duplas. Mas mesmo quando sozinhos demonstram arrogância e presunção, provavelmente pela certeza de não serem apanhados. Por medo, disse a testemunha, muitos servidores sorriem e fazem favores aos membros da Gangue. O homem é o único animal que mostra os dentes para parecer simpático. Porém, às vezes , o sorriso é só uma maneira de conter a mordida.
Sobre a vítima disse que não a conhecia muito, pois sua relação era mais profissional do que social. Apesar disso disse que quando interagia com o Agente que foi morto ele parecia ser uma pessoa coerente e sensata, apesar de ser uma pessoa retraída e quieta. Sobre seu desempenho profissional disse que não sabia de nada que o desabonasse. Disse ainda que os ataques começaram quando o Agente começou a confrontar os membros da Gangue. Afirmou que ele era bem quisto pelos cidadãos e por outros colegas que o procuravam. A testemunha disse estar chocada e tem medo que o mesmo aconteça com ela ou com outras pessoas. Por fim contou que de tempos em tempos a Gangue se reúne para atacar alguém que seria escolhido por critérios ainda não esclarecidos. Eles apontavam sua metralhadora para qualquer um que pudesse ser o novo alvo de sua roleta russa social.
A testemunha disse saber que a vítima vinha da área privada, onde havia trabalhado por dez anos. Disse, ainda, que o Agente morto era dedicado ao trabalho e que gostava de mostrar resultados quando recebia alguma incumbência. Perguntado se a vítima havia procurado ajuda, a testemunha disse não haver na Administração Pública um órgão ou setor específico para isso. Pedir ajuda ali era como estender a mão ao açougueiro, possivelmente seria cortada. Disse ainda que se houvesse, provavelmente estaria comprometido, como outros. Segundo ela é comum que haja membros ou simpatizantes da Gangue em alguns departamentos.
Verificamos que ninguém compareceu ao velório nem ao sepultamento. Assim viveu assim morreu, pelo que contam. Desta forma, a Gangue ficou impune, sem que ninguém fosse indiciado. A Administração Pública ficou isenta e a população perdeu um servidor.
Infelizmente resta ficar na expectativa de quando será o novo ataque e esperar que a próxima vítima não tenha o mesmo destino, muito embora a probabilidade que este infausto se repita seja das maiores.
Claudiomiro Machado Ferreira
Servidor Público Municipal em São José do Norte
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